terça-feira, outubro 23, 2007

OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Morche Ricardo Almeida


Ensina o jurista Marcello Ricardo Almeida ter a Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que criou a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira, alterado a legislação 9.394, de 20 de novembro de 1996 (LDB). Embora continuem em voga artigos e parágrafos que estabeleceram diretrizes e bases à educação nacional. Esta LDB de 1996, porém, robustecera-se com novos artigos e parágrafos criando a obrigatoriedade do ensino sobre história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino. Brasil não é um, Brasil são vários: a economia açucareira forjara um Brasil diferente do Brasil amazônico, por exemplo, e outro é o Brasil sertanejo, a saber, há também o Brasil distante e caipira, além do Brasil expansionista que recebeu e recebe imigrantes estrangeiros. No entanto, durante muitos séculos, assinala o jurista Marcello Ricardo Almeida, a educação escolar considerou estes brasis, desconsiderando a história e cultura afro-brasileira, sem as quais o Brasil não seria o Brasil. A história e cultura afro-brasileira ocupam poucos capítulos nos bancos escolares. Estuda-se a história e cultura afro-brasileira? Estuda-se, não raras vezes, quando o assunto refere-se ao período escravocrata. E a história e a cultura afro-brasileira não se resumem aos períodos pré e pós dos horrores da escravidão. Nos estudos da disciplina Artes, no ensino fundamental e médio, a título de exemplo, enfatiza o jurista Marcello Ricardo Almeida, o artista barroco Antônio Francisco Lisboa, conhecido Aleijadinho (1766) em Ouro Preto, MG, sua inteligência e grandeza são diluídas no capítulo brasileiro da história de Minas Gerais. Antônio Francisco Lisboa, Aleijadinho, na escultura, e outros talentos na música do século XX, Pixinguinha, Cartola, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, ou para citar um nas artes cênicas, Grande Otelo, cujo currículo oficial da rede de ensino obrigatório não resgata a contribuição deles ao Brasil. Estes figuram páginas da história em razão da música, da poesia, da atuação no teatro, cinema e televisão. No estudo de outra disciplina, Literatura, mais um exemplo, são os escritores cuja descendência possui um pé na África e outro no Brasil – mas sua história e cultura afro-brasileira ficam mascaradas, somem e mesclam-se em um caldeirão como se esses escritores nunca sofreram, por causa de sua origem, preconceito, discriminação e racismo. Discriminados, desmotivados face aos preconceitos e racismo, viveram esses artistas afro-descendentes. Entretanto, os currículos oficiais da rede de ensino – quando muito – os incluem no quadro sinótico da literatura brasileira, da música, de artes cênicas. E só aparecem em resumos. A escola limita-os em poucas linhas. Nos livros escolares encontram-se mais facilmente nomes da literatura estrangeira, música, artes cênicas, ricas em detalhe e fotografias. Da história brasileira, apenas alguns são escolhidos. Deles, Machado de Assis, um dos maiores escritores do mundo, fundador da Academia Brasileira de Letras (em 1896, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil) e eleito seu presidente vitalício; autor de todos os gêneros literários; dentre outros, escreveu os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Outro: Poeta Cruz e Souza (1861-1898), pai do Simbolismo, no Brasil, o Cisne Negro, falecido dez anos após a Lei Áurea, autor de Broquéis, Evocações, Faróis, além de outros livros; filho de ex-escravos, o estigma do racismo brasileiro lhe acompanhava. Há também o escritor Lima Barreto, um dos inovadores da literatura brasileira, sofrera na própria pele e sua literatura cortou fundo o preconceito; é dele, em meio a outras, Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), Clara dos Anjos (1922), Os Bruzundangas (1923) – ler seus livros é viver outro Brasil, um Brasil de sua época. Sem mencionar os contemporâneos, às dúzias, frisa o jurista Marcello Ricardo Almeida, nas áreas mais distintas, e ignorados nas disciplinas de Artes, de Literatura e de História oferecidas no currículo oficial da rede de ensino. Livros de História disponíveis, raramente, professores e alunos aprofundam-se na história da África e dos africanos, na luta dos negros, no Brasil, na cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, tampouco seu resgate à contribuição política de hoje e de ontem.Art. 1º – A Lei 9.394, de 20 de novembro de 1996 (LDB), a partir da alteração com a nova Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003 (obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no ensino fundamental e médio, especialmente nas áreas de Artes, de Literatura e de História), passa a vigorar acrescida dos 26-A, 79-A e 79-B. LEI ANTERIOR (9.394/96 LDB)Caput do art. 26, da Lei 9.394, de 20 de novembro de 1996: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Parágrafo 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e européia.LEI ATUAL (10.639/03 ENSINO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA)Caput do art. 26-A: Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.Parágrafo 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição e política pertinente à História do Brasil.Parágrafo 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.LEI ANTERIOR (9.394/96 LDB)Caput do art. 79 A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intelectual às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa. (O legislador federal alterou, na LDB, o artigo cuja norma original defendia tão-somente o direito á comunidade indígena). LEI ATUAL (10.639/03 ENSINO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA)Art. 79-B (porque o art. 79-A foi vetado; igualmente vetado o parágrafo 3º do art. 26-A). O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. (Esta norma criou apenas a obrigatoriedade, na LDB, em se comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra).Inglaterra, pioneira na Revolução Industrial, tinha que encontrar meios para expandir seu capitalismo e aumentar consumidores no mundo todo. O mercado só sobrevive onde há trabalhadores assalariados. E não possui poder aquisitivo uma mão-de-obra escrava. Por isto a Inglaterra, além de influenciar a vinda da família real ao Brasil (1808), fugindo das guerras napoleônicas, usou seu poder econômico para em lugar de escravos o Brasil comprasse as mercadorias inglesas. Isto a Inglaterra também fez em suas colônias. Após abolir o tráfico de suas colônias (1807) e a escravidão (1833), a Inglaterra passou a combater o comércio escravista. Primeira lei brasileira foi letra morta (1831), porém a Inglaterra faz uso dela para abordar navios negreiros em alto-mar. Não satisfeita, a Inglaterra aprovou a lei Bill Aberdeen (1845) que julgava quaisquer traficantes negreiros. E, apesar dos protestos brasileiros, em vão, a lei Eusébio de Queirós (1850), no Brasil, ressuscita a letra morta da primeira lei de 1831 proibindo de novo o tráfico de escravos da África ao Brasil. E o governo imperial (1870) começou a se deixar abolir a escravidão aos poucos. O regime de trabalho livre ia ocupar o regime de escravidão. E para isto mais leis se criaram: Ventre Livre (1871) cuja liberdade recebia o filho de escravo que nascesse daquele ano em diante; Lei dos Sexagenários (1885) concedia liberdade aos escravos acima de 65 anos; e a Lei Áurea (1888) para abolir a escravidão. Durante (1831-88) cinco décadas e sete anos de derramamento de sangue, de luta e de esperança até chegar o dia da lei de ouro, abolicionistas lutaram, lutaram em fugas e rebeliões, ocultas nas páginas da história, mulheres e homens africanos ou destes descendentes escravizados no Brasil. Das tantas revoltas, fala-se na Revolta da Chibata. E a Revolta dos Malês – escravos alfabetizados em um Brasil de bacharéis e de analfabetos? E a Revolta do Quebra-Quilo? No calendário escolar, por força de lei (10.639/03), comemorar-se-á o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. Esta data (20 de novembro) não é nenhuma novidade aos afro-brasileiros, opondo-se a data (13 de maio) que se comemora a Lei Áurea. Enquanto 20/11 lembra Zumbi dos Palmares, 13/05 reporta-se a princesa Isabel ao assinar a lei que pôs fim legal à escravidão. Zumbi (1655-1695), que significa Guerreiro, dos Palmares, pois se refugiara no Quilombo dos Palmares, entre Pernambuco e Alagoas: o maior símbolo da resistência negra contra a escravidão.